Foi uma alegria conhecer este senhor de 93 anos de idade, chamado Neném Urias, que mora sozinho numa casa simples, na QS 10, em Areal.
Fazia uma caminhada que já vem se tornando rotina pelos arredores de Aguas Claras, Arniqueiras e Areal, buscando questionar com as pessoas da região suas demandas comunitárias, quando me deparei com aquela singela e peculiar figura sentada em sua pequena varanda e lendo a bíblia. De longe, nem me dei conta do avançado de sua idade, mas ao lhe cumprimentar e pedir licença para uma apresentação, a curiosidade se aguçou e perguntei:
Qual a idade do senhor, seu Neném?
Com uma pouco perceptível deficiência auditiva ele respondeu:
Noventa e três, Graças a Deus e bem vividos, meu filho!
Fiquei até meio sem graça, dado o arrebatamento com sua aparente disposição e cordialidade, mas antes que me adiantasse em sair, seu Neném deu firmes passos em minha direção e convidou-me para um café. Aí, minha avidez e meu lado “xereta” falaram mais alto ainda, pois ele havia me dito que tinha uma moça (sua secretária), mas esta não se encontrava, e olhando em volta pensei: quem vai fazer o café?
Não deu outra, seu Neném me puxa pra sua cozinha e sugere – me ordenando sentar , enquanto passava o café - continuarmos a prosa...E já que instigara uma conversa que resvalava na política, o esperto velhinho logo tomou a dianteira e perguntou:
O senhor não é um mentiroso, é?
Meio desconcertado, eu o observei fixamente procurando uma resposta, ainda sem querer demonstrar a falta de jeito com seu modo direto e claro de me observar. Aí, respirei e lhe disse:
- Olha seu Neném, se eu lhe disser que sou uma pessoa honesta e que, portanto, não sou um mentiroso o senhor vai acreditar? Ao que respondeu gracejando e me apertando a mão:
- O senhor passou no meu teste, seu Francisco, pois se apenas me respondesse negando ser desonesto já não me servia; lhe pegava dizendo a primeira mentira...
Foi quando lembrei de um clássico texto de Santo Agostinho sobre as “fraquezas humanas”, e essa lembrança foi minha salvação. Então, mais filosoficamente amparado, continuei a conversa com aquele senhor e cidadão de boa prosa, assentindo que, não vejo o ser humano, a priori, como um depósito de bondades, apenas, mas olho sempre para as pessoas com a perspectiva da esperança, salientando que elas, em geral, podem agir com o legado do bem, em detrimento do que nos sugere o histórico de guerras, de inveja, de auto destruição, de egoísmo e pouco respeito com os semelhantes e as diferenças, coisas que infelizmente pavimentam a estrada da “evolução humana”... Recorri a alguns sinceros prosélitos.
Precisava continuar minha caminhada mas seu Neném nem de longe me permitia ir embora, tamanha fora a força de seu encanto, me dizendo que ainda se lembrava do voto que deu no marechal Lott, “a mando de JK”. Retornando ainda mais no tempo, mencionou o nome de um personagem lendária da história de Brasília, chamado “Toniquinho”, que num comício da campanha presidencial de 1955, na cidade de Jataí, em Goiás, teria provocado o presidente Juscelino a tomar a decisão pela construção de nossa capital. Algo que muito já se ouviu por aí, mas contado como foi pelo seu Neném, soou muito mais verdadeiro.
E me respondendo sobre se ainda votava, não titubeou:
Não sou obrigado não, meu filho, mas voto em toda eleição que tem. Acho bom, num sabe! Mas lhe garanto que essa turma de mentirosos que enrola o povo por aí não me engana não..E continuou, “eu dou meu voto e cobro...”
Seu Neném fez um bom café e o serviu sem que interrompesse a conversa. Ele é viúvo, têm duas filhas mas mora sozinho e não reclama disso.
O que me chamou mais atenção na prosa do seu Neném, não foi a sua disposição interminável para a conversa, isso parece normal pra quem vive só, a falta de companhia e de interlocução são um convite direto, mas a sua postura de cívica lucidez, pois estava ali uma pessoa que, a despeito do peso da idade e da solidão não faz disso uma tragédia, ao contrário, ele usa tudo que sua experiência lhe deu com simpatia e espírito de um zeloso e crítico cidadão. Mesmo nos seus noventa e três anos de vida.
Já estou convidado para voltar à casa de seu Neném, o que farei logo que puder, mas quero daqui lhe agradecer imensamente a oportunidade de compartilhar de sua sabedoria e sinceridade. E pensar que o respeito e a atenção com os idosos é algo raro no mundo que vivemos...
Obrigado, seu Neném!
Nenhum comentário:
Postar um comentário