*Chico Andrade
Hoje de manhã, depois de visitar um ex-colega de trabalho no Sudoeste, fui ao DER para parcelar umas malditas multas. Na verdade, me refaço, a culpa ainda é da minha desatenção no trânsito, algo com o que há muito me defronto, mas, por mais que seja apenado no bolso, admito, muito ainda resta-me a aprender nesse quesito cívico-disciplinar.
É que depois de gastar uma soma que provavelmente desse para adquirir um carro novinho só com infrações de trânsito, somente nos últimos quinze anos, tracei uma meta como autocastigo: passar um ano sem ser multado. Tá difícil; mas acreditem amigos, eu ainda vou ser um bom cidadão comigo mesmo …
Mas é que ao chegar ao prédio do DER, os trabalhadores do órgão estavam em assembléia, e eu como bom grevista que já fui, tratei logo de perguntar se estavam em greve, para não cometer o desatino de interferir em sua luta. Um dos funcionários, muito gentilmente me disse:
- Não, estamos parados apenas para a assembléia, mas posso lhe atender, já já.
Meio que sem jeito, disse ao servidor:
- Olhe, amigo, se estão parados, quero hipotecar minha solidariedade e respeito, virei outro dia...
O rapaz aí insistiu e foi logo entrando para sua sala de atendimento, e como desconfiara que se eu não parcelasse os débitos, também não poderia emitir o licenciamento anual, foi ainda mais gentil:
- Não, não, vou emitir suas multas agora, senão você pode ser parado por aí e vai ficar é sem seu carro...
Certo é que, depois de muitíssimo bem atendido peguei os boletos, agradeci a gentileza do funcionário, em estado de greve, e, ia tomando assento no meu carro, quando não resisti em espiar um pouquinho daquelas cenas que me encheram de boas e efervescentes lembranças.
Aí voltei, pus-me a escutar os discursos – a maioria muito parecidos com os de minha passagem pelo Sindicato dos Bancários, na década de 1980 e início de 90 – e, pela primeira vez admiti a saudade de memoráveis greves que fizemos. Naqueles poucos minutos, viajei, e à lembrança vieram-me cenas diversas: o sectarismo das correntes em disputa pela Diretoria do Sindicato; a solidariedade, que naqueles tempos ainda se fazia bastante presente; um resto de utopia que dava energia ideológica às nossas lutas, e tantas outras interessantes rememorações.
De repente, vem lá do caminhão de som um companheiro com uma lista na mão e me sugere assinar, ao que lhe disse:
- Não posso, amigo, estou aqui rememorando outros tempos, é que não sou da categoria de vocês.
Então o militante, meio curioso perguntou:
- Mas por que está participando de nossa assembléia?
E, de novo, lá vou eu contando um pouquinho daquele “revolucionário” período em que estive à frente da luta dos bancários; disse-lhe também que era filiado a um partido político e, que em nome deste, oferecia-lhes a nossa solidariedade de classe.
Daí em diante fui recepcionado e convidado a falar, o que recusei, e continuei por pelo menos mais uns vinte minutos presenciando os protestos, - muitas cobranças e até comedidos xingamentos ao governador e ao Secretário de Transportes, por não cumprirem o que prometerem. Bem feito...
Mas, incrível como estar no meio daqueles lutadores, - vendo seus olhos meio assustados, mas firmemente focados em seus objetivos e na direção dos oradores - me fez reencontrar com um tema não apenas emblemático para mim, mas, sobretudo, desafiador, do ponto de vista da convicção que carrego, da necessidade e da importância dos sindicatos para os trabalhadores: é que, depois que voluntariamente deixei a militância sindical, no início dos anos 90, tornei-me crítico dos rumos que o movimento tomou, empurrado que foi pelas disputas políticas e pela luta de hegemonia que dele sobrou.
Entretanto, ali, diante e no meio do calor daqueles companheiros em luta, me dei conta: minhas críticas não poderiam fazer sentido algum, se não levasse em conta as crenças, as dificuldades e a indignação decorrentes de promessas que não se cumprem, do aperto salarial de sempre, da hipocrisia que rola por parte de certa burocracia encastelada nas direções dos órgãos e empresas, públicas ou privadas. E observando mais os rostos dos participantes percebi outra coisa: que estavam ali, de corpo e alma, afirmando e exaltando o que melhor lhes restou: sua cidadania e sua coragem.
E como se num filme antigo, pensei: vencida a ditadura, a conquista da avançada Constituição de 1988, a evolução da democracia política, contudo, males e vícios autoritários, assédios, preconceitos e sei mas lá o que de tantos atrasos em nosso país continuam. Portanto, concluí, que afora as arengas remanescentes da luta pelo poder dos sindicatos, são esses aguerridos e obstinados companheiros dos sindicato que seguem insistindo em cada uma de suas bases, na importância da participação dos colegas nas reuniões, nas assembléias, na preparação da greve e na luta corporativa por uma vida melhor.
E me dei conta ainda que, independentemente da corrente política a que estejam vinculados, a despeito dos equívocos dos quais somos todos passíveis, do uso, muitas vezes, inadequado que fazem algumas direções das máquinas sindicais, são eles os sindicatos ainda o que resta aos trabalhadores como esperança para viabilizarem suas reivindicações; para prosseguirem suas lutas por melhores e mais justas condições de trabalho, para continuarem a sonhar com uma sociedade menos preconceituosa e, quem sabe, mais solidária.
Por isso, meus amigos, vai daqui uma saudosa e justa homenagem: Viva os Sindicatos de todos os trabalhadores e trabalhadoras! Viva o sonho por um mundo melhor!
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