terça-feira, 23 de junho de 2009

A crise no Senado pode oxigenar a cidadania


*Chico Andrade

A atual crise do senado – quase uma extensão de outras denúncias há tempos repercutidas na mídia, da Câmara dos Deputados - constitui oportunidade rara para entendermos com clareza como as elites, ou as velhas e, ao que parece, indestrutíveis oligarquias brasileiras funcionam e se mantém no poder.
É claro que o próprio desenvolvimento das forças produtivas e do capital, aliado ao movimento de ascensão social das classes intermediárias, ou digamos, emergentes, para a classe média, de mudança no padrão de consumo e, por conseguinte, de vida, impulsionam também o surgimento de novas elites, no ambiente sócio-urbano brasileiro. Para melhor entender, as elites que há séculos se sucedem no poder, vão naturalmente se renovando, mas o oxigênio que as movimenta não tem força para de fato fazê-las novas, pois seu DNA é demasiado conservador.
O jornalista Fernando de Barros e Silva em artigo intitulado "De 'Secreta' a Lula", publicado na Folha de São Paulo nesta segunda-feira (22), escreve sobre esta nova categoria do patrimonialismo brasileiro, o lulismo, o que a meu ver o faz com exímia eloquência, especialmente quando fala sobre a "nova velharia" representada por tal corrente política, e afirma que o Brasil virou uma espécie de "democracia senhorial", citando o sociólogo Gabriel Cohn.
"Lula faz apologia do obscurantismo", diz Fernando de Barros, explicando que o presidente da República usa sua popularidade para descaracterizar um quadro de óbvio descalabro e favorecer a impunidade. E ele acrescenta: "sua fala é um tipo de "Bolsa Oligarca". Concluindo seu artigo, Barros sugere que "Lula e o neopatrimonialismo sindical que ele sustenta levaram isso ao paroxismo", e fecha com a frase: "Não importa que seja ladrão, desde que seja meu amigo"
E sempre em meio a crises como a que ora vivenciamos retomam-se idéias como a que já virou jargão de momento, ou seja, a da propalada Reforma Política. Ocorre que a imensa maioria dos políticos e dos partidos não deseja fazer reforma alguma, posto que com o atual modelo de eleições em Lista aberta e sistema presidencialista podem se eternizar nas máquinas partidárias e, no máximo, vez em quando, revezarem-se no poder, diante de um quadro que resta como uma reserva de mercado, para o preenchimento das vagas nos Legislativos, principalmente.
Já no plano da disputa para o Poder Executivo, se desejássemos efetivamente implementar mudanças duradouras e politicamente mais avançadas, poderíamos todos, tanto oposição quanto governo, trabalhar para implantar um sistema que distensionasse o quanto possível as disputas, abstraindo-se as campanhas de atrasos personalistas, clientelistas e, sobretudo, para rompermos com a idéia antiga do líder carismático e salvacionista.
Hoje, creio que a chegada de Lula ao poder foi resultado do avanço das lutas sociais e populares no Brasil. Num país que parece não se envergonhar de ainda ostentar os altíssimos índices de desigualdade e exclusão sociais, do elevado número de analfabetos, das gritantes diferenças regionais, é claro que somente através de uma forte identificação pessoal, dos costumes e de outras afinidades sócio-afetivas se poderia avançar. O que não podemos, e aí está o papel a que se negam muitos dos nossos intelectuais, é permitir que este cenário conservador, sob o ponto de vista político-pedagógico, se prolongue até que o mito se auto-destrua ou que outro salvador da pátria apareça.
Não sei aonde poderá chegar esta minha “pregação”, mas se queremos de fato educar as pessoas politicamente, poderíamos começar por propor em letras graúdas a mudança do sistema de governo presidencialista corruptor, clientelista e sustentáculo de velhas oligarquias, que apenas reproduzem novos clãs, para um modelo que ao invés do ídolo ou do mito, prime pelo método, pela inclusão, pela tolerância, e que respeite as ainda enormes diferenças sócio-econômicas regionais. Aliás, se o próprio PT tivesse hoje autonomia e retomasse o caminho do seu berço, que embora não soubesse bem, mas apontava para a construção de uma democracia inclusiva e de massas, poderia ser ele próprio o protagonista desta nova e estimulante mudança cultural em nosso país, a implantação do Parlamentarismo, e a partir de Lula...
Neste fim-de-semana, estive conversando com muitas pessoas, entre as quais gente da "nossa" esquerda, dos que compõem a chamada base de sustentação do governo, e causa espanto o argumento que querem construir para defenderem sua continuidade no poder a qualquer custo, no atual sistema eleitoral. O que se escuta é de estarrecer: Ética? Ora bolas, isso é coisa das elites, ou dos adversários; como se a cidadania pudesse prescindir de princípios, e como se todos os que hoje estão no governo não fizessem parte da “nova” elite do poder. Uma elite composta por velhas e surradas oligarquias e por figuras já execradas pela opinião pública, mas que este governo gentilmente as trouxe de volta ao cenário político, como Jáder Barbalho, Collor, Maluf e, porque não dizer, Sarney...
O momento é de apreendermos lições como a que querem nos sugerir os colunistas da Folha de São Paulo, ou de alguns sociólogos como Chico Oliveira, entre outros, que se cansaram do silêncio intelectual petista.
A cidadania, a educação política ou a educação para a democracia, se constrói a partir de princípios de civilidade, do apego à ética e à moral públicas; e num país como o nosso, se faz, sobretudo, em solidariedade com os mais pobres e injustiçados, da conexão contemplativa com os excluídos. A educação política se consolida com a coragem de afirmar e respeitar as diferenças e a sabedoria de ser tolerante, sem ser necessariamente transigente com o que está errado. A educação para a cidadania tem como norte sua intransigência com a transgressão ética e se assenta na idéia do reformismo constante e, como tal, no repúdio ao conservadorismo e na luta obstinada contra essas mencionadas velhas práticas patrimonialistas.
E o que fazer diante de crises como a que ora parece querer abater o poder Legislativo, deixar rolar, já que não nos julgamos responsáveis isoladamente por ela? Não. Estamos justamente numa circunstância democrática paradoxalmente favorável ao exercício da cidadania. Entre as instituições do Estado democrático de direito, o Congresso Nacional é a defesa e segurança da democracia, e é a casa à qual a imensa maioria dos brasileiros recorre, em busca de solução de seus conflitos.
Como símbolo mediador da República, o Parlamento resta como o limite para a atuação daqueles que não consideram a política outra coisa senão uma oportunidade de negócios e nós, os que lutamos pela democracia como instrumento de transformação. Vamos participar e protestar contra a renitência clientelista e fisiológica. É mais que nunca hora de retomarmos a luta pelo Parlamentarismo!

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