quarta-feira, 4 de março de 2009

Projeto de reforma do Mané Garrincha expõe traços de nossa alienação

*Chico Andrade

Nada contra o progresso do futebol candango. Pelo contrário, se pudéssemos abstrair o uso politiqueiro que sempre se fez e faz das pessoas e de sua boa-fé, e também em outras circunstâncias conjunturais, até poderíamos apoiar a proposta de reforma do Estádio Mané Garrincha, uma vez que se trata do esporte mais popular do país.
Entretanto, convenhamos, já não basta o que extemporaneamente foi gasto – perto de 60 milhões de reais – de dinheiro público na reforma do Estádio Bezerrão, no Gama, ver o governo do DF colocar entre suas prioridades um investimento de cerca de 600 milhões de reais para reformar o Estádio Mané Garrincha, parece uma medida absolutamente deslocada das necessidades de Brasília.
E o inusitado de tudo isso, é que, segundo os seus defensores, Brasília precisa competir em boas condições, pela nomeação a uma das 12 cidades sedes da Copa de 2014. Por que não nos preparamos para disputar a copa das cidades mais humanas e menos desigual, no país, por exemplo?
E há quem diga que o valor inicialmente orçado é apenas uma referência, podendo o custo final do projeto chegar a até 2 bilhões de reais.
Ora, e não interessa aqui se a reforma pretendida vai ser realizada por meio das tais Parcerias Público Privadas ou não, até porque, por aí pode escoar outro ralo de desperdício e do esforço público pela adequada aplicação dos recursos orçamentários do Distrito Federal. A questão que deve ser colocada e debatida a sério com a população é se tal projeto é ou não uma prioridade para a cidade e para a imensa maioria de sua população.
Numa conta rápida, quantas escolas públicas poderiam ser reformadas e outras construídas e equipadas com tal soma? Ou quantos postos de saúde ou hospitais públicos das cidades-satélites poderiam ser beneficiados com o monte de dinheiro que está sendo previsto aplicar para a política de mais “pão e circo”?
A idéia que se tem é de que, no afã de “sediar a copa”, muitos governantes têm regressado aos métodos adotados pela ditadura militar, momento em que virou moda jogar dinheiro público na construção de muitas obras faraônicas, entre as quais de estádios de futebol na maioria das capitais.
E a comparação melhor se aplica ainda se voltarmos os olhos de modo mais analítico àquela situação dos anos 70. Naquela época, convivíamos com a popularidade forçada dos generais de plantão na presidência da República, agora vivemos o auge de um governo federal que parece querer reinventar o populismo iniciado lá no império romano, e com ele se eternizar, fazendo do assistencialismo seu carro-chefe e da dissimulação um método de alienação política bastante eficaz.
Como a maioria dos brasileiros, também gosto muito de futebol, mas talvez devêssemos refletir melhor sobre as dificuldades apontadas por muitos governadores para se pagar um teto de menos de mil reais aos professores das escolas públicas, enquanto nossa paixão futebolística, sustentada por um obscuro sistema de marketing e outros interesses, ajuda a “fabricar” ídolos e deles precocemente se livrar por conta da especulação que essa alienação produz e reproduz, especialmente nos mais jovens.
Que tal um debate público e pedagógico sobre o que fazer com 600, 700 milhões, um ou dois bilhões de reais, diante de problemas como a crescente violência social urbana, o déficit de moradias populares, transporte público ineficaz, sucateamento das escolas e hospitais públicos, pouca preocupação cultural, enfim, no combate às escandalosas desigualdades sociais que parecem querer perpetuar em nossa cidade?
*Chico Andrade; Clique em "Visualizar meu perfil completo" neste blog.

Um comentário:

Unknown disse...

Realmente! É o assunto a ser questionado e debatido os investimentos "faraônicos" nos estádios que vão sediar a Copa 2014. Entretanto, deixemos o ranço "tropicalista" de lado e paremos de ressulcitar o defunto da "ditadura militar" (regime militar) com comparações descabidas e infundadas.