terça-feira, 20 de abril de 2010

Brasília 50 anos: o que não devemos comemorar

Retomando nossa reflexão sobre o que se deve ou não comemorar nos 50 anos de aniversário de Brasília, publicamos abaixo, matéria divulgada hoje no jornal Correio Braziliense, repercutindo aquilo que desde os primeiros dias de nossa interconectividade via blogdochico vimos salientando, qual seja: Brasília a capital também das desigualdades em nosso país.

O estudo do Ipea confirma uma realidade socioeconômica no DF que involui, mostrando que em 1978 a distribuição de renda aqui era melhor do que no resto do país, índice Gine (0,55 contra 0,60). Já os dados divulgados recentemente mostram que a situação se inverteu, representada agora pelo índice de 0,63 contra 0,55 do conjunto do país.

Então, quando chamamos a atenção para o nosso modo de vida a cada dia mais apartado da realidade das pessoas - a grande maioria - que vivem nas periferias das cidades-satélites, que se engalfinham diariamente no metrô e  em ônibus superlotados, ou mesmo as  que usam seu automóvel para chegar ao trabalho e cujo sofrimento não é menor, devido o tempo que perdem no trânsito e o estresse daí decorrente, é exatamente no sentido de assentirmos um outro debate, que não seja o da compaixão meramente, mas o de reencontrarmos o caminho da solidariedade para enfrentarmos melhor os problemas oriundos dessas enormes diferenças sociais que um planejamento ineficiente nos deixou.

As novas informações trazidas pelo Ipea chamam a atenção não por ser uma novidade em si, pois não é de hoje que insistimos numa discussão mais substantiva dessa tema, mas pela confirmação da ocorrência de um danoso fenômeno que também vínhamos denunciando: o regresso a alienação pelo modelo de vida que esta moderna sociedade do consumo vem nos impondo. 

Esses números que o Ipea divulga sobre a desconformidade social de nossa cidade dão bem a mostra e justificam os escândalos que, por exemplo,  a Câmara Legislativa, por sua submissão, patrocinou, ajudando a sustentar governos corruptos e formadores de currais eleitorais, em detrimento de um necessário planejamento, que apontasse para uma mais justa distribuição de renda em Brasília. Isso avilta nossas consciências e deve despertar em todos nós a idéia de outros caminhos para os nossos próximos 50 anos.
 
 
"Ipea constata que desigualdade entre ricos e pobres é maior no Distrito Federal"


A ocupação do interior do Brasil e o desenvolvimento econômico das regiões mais longínquas podem ter sido as metas que mais obtiveram sucesso com a transferência da capital para o Centro-Oeste. No entanto, a cidade se desenvolveu de tal forma que exacerbou a desigualdade entre pobres e ricos. Para o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, a cidade carece de um projeto de longo prazo. Segundo ele, o Distrito Federal não tem uma estratégia para enfrentar a desigualdade.

"Brasília precisa de um projeto para os próximos 50 anos para que ela recupere aquela perspectiva urbana e industrial de sua criação. A cidade está carente de um projeto de longo prazo. Esse adensamento populacional que temos na cidade foge da perspectiva inicial. O adensamento de pessoas no entorno do Distrito Federal (DF) está a demandar uma ação de estratégia.", avaliou hoje (20) Pochmann.

Um estudo desenvolvido pelo Ipea constatou que, em 1978, a distribuição de renda era melhor no DF do que no resto do país (0,55 contra 0,60). No entanto, a situação se inverteu dramaticamente ao longo dos últimos 30 anos. Em 2008, o grau de desigualdade no DF era consideravelmente maior que no restante do país (0,63 contra 0,55). Para medir a desigualdade, o instituto usa o índice de Gini. Quanto mais próximo de 1, mais desigual.

"A evolução da distribuição de renda no Distrito Federal acompanhou o agravamento da desigualdade nas décadas de 80 e 90. Entretanto, apesar de a desigualdade de renda ter melhorado no Brasil a partir de 2001, a distribuição da renda permaneceu inalterada no Distrito Federal em níveis muito elevados de desigualdade", constata o estudo.

Outro ponto de destaque é que enquanto as transferências de renda do governo contribuem para reduzir o grau de desigualdade no país, no DF, as transferências governamentais praticamente não afetam a distribuição. "Inclusive, as transferências aumentaram a desigualdade em 1998", afirmou o coordenador do estudo, Milko Matijascic.

"Sem dúvida, essas diferenças da distribuição de renda entre o Distrito Federal e o Brasil podem ser explicadas pelas diferenças na estrutura ocupacional, especialmente a alta concentração de funcionários públicos federais no Distrito Federal. O crescimento da renda do trabalho a partir de 2001 foi bem maior para os mais pobres do que para os trabalhadores de maior renda. Porém, entre os trabalhadores de alta renda, os funcionários públicos estão entre aqueles que apresentaram maiores aumentos salariais", destaca o Ipea. "Dessa forma, enquanto a desigualdade caía no país, estagnava no Distrito Federal."

Matijascic observa que os dados apontaram a necessidade urgente de retomar a visão empreendedora dos pioneiros da construção da capital como forma de evitar que, nos próximos 50 anos, a capital exacerbe os problemas comuns enfrentados pelos demais conglomerados urbanos brasileiros.

"Se os pioneiros de Brasília tiveram uma visão da importância da cidade para ativar a economia do Centro-Oeste, é necessário agora retomar a lógica do planejamento para que se faça uma cidade mais organizada, menos devastadora para os recursos naturais e ainda menos devastadora do ponto de vista social. Tempos uma sociedade muito heterogênea e com níveis de fragilidade preocupantes. Temos uma criminalidade crescente e uma constante falta planejamento."



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