segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Do PCB ao PPS: uma herança ambivalente


*Chico Andrade

Nos próximos dias 7, 8 e 9 de agosto, o PPS – Partido Popular Socialista, herdeiro legal do velho Partido Comunista Brasileiro, fundado em 1922, realiza, na cidade do Rio de Janeiro, o seu XVI Congresso Nacional, instância máxima de debates e de deliberação das agremiações partidárias.

No passado mais distante, a preparação de um Congresso se dava em meio a intensas e acaloradas discussões, precedidas por apresentações de teses que geralmente abordavam, além da conjuntura nacional e internacional, propostas para o partido enfrentar junto ao movimento social organizado ou não, o conjunto de problemas que o país e suas elites carregam sem cerimônia desde os tempos da colonização.

A despeito de um certo envergonhamento no uso do termo, há quem diga que, na verdade, o processo da revolução brasileira vem se construindo em etapas, a partir da chamada revolução 30, e, não obstante as cores que queiramos atribuir ao protagonismo de cada etapa do nosso retardado desenvolvimento isso parece fato.

E por que deveríamos nos preocupar agora com coisas que mais parecem pura abstração acadêmica, diante do absenteísmo político/ideológico em que nos encontramos e do padrão de vida que incorporamos?

Ora, diante mesmo desse constatado estado de ociosidade mental e do cinismo acívico que a Era Lula vai nos legando fica até chato falar de problemas sociais. Não, vai ficando mesmo é perigoso suscitar um debate acerca dos problemas nacionais, uma vez que o conjunto das instituições da sociedade que antes patrocinava e repercutia politicamente as agruras de nossa ainda tão dura e desigual realidade parece nada mais ter a ver com isso, ou talvez achem que, com a chegada do “seu salvador” ao poder, nossos problemas acabaram...

E sintomas desse alheamento social não faltam: a crise absurda que há quase dois meses paralisa o senado, as declarações de alto apreço do presidente Lula por Sarney e sua trupe, calando a boca do PT, o recente Congresso “de brincadeirinhas” da UNE, hoje bem abastada que está, isso tudo para não voltarmos aos escândalos do mensalão, dos dossiês, e tantos outros, todos silenciosamente tratados pelos “amigos do rei”.

É claro que muitas das políticas assistencialistas ou de transferência de renda adotadas por Lula foram corretas, até porque era no mínimo isso que dele se esperava, se considerarmos sua história e o passado de seu partido. Entretanto, e isso é o que mais causa espanto, este governo não aponta para um padrão novo de sustentabilidade econômica e de uma efetiva superação dos agudos problemas sociais do país, haja vista que atualmente quase 8 milhões de pessoas ainda não têm acesso à moradia digna, 83 milhões não são beneficiadas pelo sistema de esgoto, 45 milhões não têm acesso a agua potável.

De acordo com dados da ONU, se até 2020 os governos não fizerem mudanças substanciais e estruturantes no sentido da superação do quadro ainda crônico de desigualdades que herdamos, o Brasil poderá conviver com 55 milhões de pessoas vivendo em favelas. Isto é muito grave.

Vivemos uma crise mundial que ainda não se pode apontar internamente qual será seu desfecho, muito embora alguns países já dêem sinais de superação, como a China, e a Índia, por exemplo. Mas, será que as medidas adotadas pelos governos para enfrentar essa crise e, notadamente as do caso brasileiro, de estímulo ao consumo, de corte temporário de alguns tributos, e de aumento exagerado do gasto público, algo que já vem chamando muito a atenção de especialistas, serão suficientes para se pensar na volta do desenvolvimento com estabilidade e distribuição de renda? Será que a infraestrutura do país está azeitada para essa retomada? E o modelo concentrador de renda, extremamente generoso com as grandes empresas nacionais e internacionais e seus acionistas até agora intocado, vai continuar?

Essas e outras questões nas áreas econômica e social talvez pudessem merecer uma melhor atenção dos militantes do PPS em seu XVI Congresso Nacional, bem como um retorno a propostas políticas originais, como uma crítica mais acentuada em torno do atual sistema de governo presidencialista, na perspectiva de se restituir à pauta política o oportuno debate do sistema parlamentarista de governo, por meio da convocação de uma Constituinte exclusiva, que além disso discuta temas como o fim do voto obrigatório, as eleições em lista, a interdição dos mandatos, entre outras propostas democratizantes e republicanas.

Crises de confiança nos parlamentos são algo recorrente em todo o mundo, é bom que se diga, entretanto, nas sociedades mais avançadas, as instituições têm regras mais claras, e os políticos mais compromissos com seus eleitores e programas partidários. Diferentemente do Brasil, onde parece que a principal regra é “se dar bem”.

Foram inúmeros os erros cometidos no passado pelo partido que nos deu origem, em nome de uma visão demasiado autoritária da história e da ausência de um modelo próprio de desenvolvimento, de concepções e dogmas concebidos em circunstâncias outras. Mas muitos, também, foram os acertos e as contribuições para a democracia e para a construção de um conjunto de leis de proteção ao trabalho e da busca de condições de vida mais dignas para o nosso povo.

Nascido dessa experiência rica e ambivalente o PPS, que ainda luta por encontrar suas cores mais adequadas, por se definir mais claramente no campo dos partidos democráticos e de esquerda, tem no curso desse Congresso a oportunidade de realizar um profícuo debate e, ante o lema “Sem mudança na há esperança”, talvez possa começar por fazer a mudança já internamente, recuperando a capacidade de se reinserir, de fato, nos movimentos sociais, voltando a devotar seu olhar e atenção para as periferias, ainda tão entregues aos políticos clientelistas, fisiológicos e assistencialistas.

Vez em quando encontro antigos companheiros a se lamentar: “ah por que o partido é isso; ou por que é aquilo”; mas o gozado é que é raro alguém apontar outro partido que lhes ofereça, enquanto experiências, princípios de luta e propostas de transformação social, algo que os convença melhor. Claro que opções temos: tanto à esquerda como à direita. Mas fica a pergunta: estão apontando o caminho que procuramos?

Portanto, amigos e companheiros, melhor é aproveitarmos a oportunidade e, além do temário pautado, fazermos do Congresso do PPS um momento fecundo de debates em torno da superação dos ainda graves problemas sociais brasileiros e da possibilidade de construção sempre de outra sociedade, que além de mais justa e solidária, não tenha, como valor norteador único de vida, o consumo.

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